MP investiga o "xerife das vans" por evolução patrimonial suspeita
Ele teria comprado imóveis com valor acima dos seus rendimentos
RIO - O “xerife das vans”, como é conhecido o delegado Cláudio Ferraz, da Polícia Civil, está sendo investigado por suspeita de sonegação fiscal, evolução patrimonial incompatível com a renda e improbidade administrativa. Há nove meses à frente da Coordenadoria Especial de Transporte Alternativo da prefeitura do Rio, ele terá que explicar no Ministério Público Federal a compra, entre 2009 e 2012, de cinco propriedades, entre elas uma fazenda de 400 hectares em Minas Gerais, além de dois apartamentos e um terreno de 707 metros quadrados situado a duas quadras da Praia do Recreio dos Bandeirantes. Tudo pago em dinheiro e em valores muito abaixo dos cobrados no mercado.
Responsável pela investigação, o procurador da República Orlando Monteiro da Cunha enviou ofícios ao Ministério Público estadual e às corregedorias da Polícia Civil e Geral Unificada, solicitando a abertura de procedimentos para apurar paralelamente as suspeitas contra Ferraz. Um dos autores do livro “Elite da Tropa 2”, Cláudio Ferraz tem 20 anos de Polícia Civil e figura entre os delegados cotados para suceder a Martha Rocha na chefia da instituição. Ferraz ganhou notoriedade — e ameaças de morte — no período em que coordenou a Delegacia de Repressão a Ações Criminosas Organizadas (Draco) e foi responsável por investigações que levaram à prisão de centenas de milicianos.
Contra o delegado há um calhamaço de documentos que incluem certidões de registros de compra e venda de propriedades, com detalhes das transações imobiliárias feitas por Ferraz a partir de outubro de 2009. O material vem sendo analisado desde outubro passado pelo MPF, em conjunto com a Receita Federal, onde foram instauradas duas representações fiscais. O que mais despertou a atenção dos procuradores foi o fato de o delegado ter feito as compras pagando em espécie, em quantias abaixo dos valores venais, que são usados como base de cálculo por prefeituras na cobrança do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Intervivos (ITBI).
Um apartamento na Ilha do Governador foi o primeiro imóvel adquirido por Ferraz, que pagou R$ 60 mil. Contudo, a prefeitura arbitrou em R$ 3.764,97 o imposto, usando o valor venal de R$ 188,2 mil como base de cálculo. No ano seguinte, o delegado comprou três propriedades. Duas delas em janeiro, quando conseguiu pagar R$ 40 mil por outro apartamento na Ilha do Governador, menos da metade da quantia empregada pela prefeitura como base para cobrar o imposto: R$ 93,3 mil.
No mesmo mês de 2010, o delegado adquiriu, também por R$ 40 mil, uma fazenda de 400 hectares, com mil pés de café cultivados, um lago e algumas cabeças de gado, em Jesuânia, região próxima a Lambari, em Minas Gerais. A propriedade rural conta ainda com uma casa principal, curral, reservatório de água e um bar, chamado Olho d´Água. Na localidade, segundo estimativa do site MFRural (especializado em classificados de agronegócios), o valor de um hectare está em torno de R$ 15 mil.
R$ 40 mil por terreno no Recreio
Seis meses depois, Ferraz pagou novamente R$ 40 mil pelo terreno no Recreio dos Bandeirantes. A propriedade, uma posse, fica localizada numa rua de acesso à comunidade do Terreirão, área sob influência de um grupo paramilitar. Na ocasião, a prefeitura calculou o ITBI com base no valor venal de R$ 145,5 mil. Atualmente, um terreno de dimensão semelhante, que fica a poucos metros da propriedade do delegado, esta sendo negociado por R$ 1,3 milhão.
Na lista de propriedades sob investigação constam ainda uma loja na Ilha e um apartamento de 108 metros quadrados em Lambari. Os imóveis, porém, figuram em nome da mulher do delegado, segundo registros lavrados em cartórios e anexados à apuração. As propriedades também foram quitadas em espécie e com valores abaixo dos cobrados no mercado.
Nesta segunda-feira, em ofício encaminhado ao procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Vieira, o procurador Orlando Cunha solicitou a abertura de investigação contra Ferraz, afirmando que “os dados referentes à evolução patrimonial do servidor público denotam possível e eventual leitura no sentido de sua incompatibilidade à luz dos rendimentos licitamente obtidos e declarados”. Argumento semelhante ao usado pelo procurador para justificar os pedidos de investigação enviados às corregedorias da Polícia Civil e Geral Unificada.
Procurado pelo GLOBO para comentar as suspeitas, Cláudio Ferraz disse que estava numa reunião e não poderia falar naquele momento, mas que atenderia às 18h. O repórter ligou no horário marcado, mas não obteve resposta.
Fonte: "O GLOBO"